Ao contrário da abordagem dominante na fotografia contemporânea, que muitas vezes enfatiza o instantâneo, o documental ou o sensacional, Hiroshi Sugimoto propõe um uso contemplativo e conceitual da câmera. Para ele, a fotografia não é apenas um meio de representação do mundo visível, mas um instrumento filosófico para explorar o invisível — o tempo, a memória, a ilusão e a própria consciência.
Através de suas séries, Sugimoto articula imagens que operam como experimentos mentais. Assim como um filósofo propõe hipóteses sobre a natureza da existência, ele constrói imagens que encenam paradoxos, perguntas e reflexões visuais. Por exemplo, ao fotografar cinemas durante toda a duração de um filme (Theatres), ele transforma a fotografia em uma condensação temporal absoluta — um único quadro que contém centenas de milhares de quadros de um filme. Essa operação visualiza a passagem do tempo de forma material, tangível, porém paradoxalmente imóvel.
Sua obra também ecoa as práticas de artistas conceituais como Marcel Duchamp, especialmente no modo como desafia os limites da percepção. No entanto, Sugimoto não abandona a beleza formal nem a técnica tradicional — ao contrário, ele a valoriza profundamente. Com câmeras de grande formato, longas exposições e domínio absoluto do preto e branco, ele alcança uma estética precisa e silenciosa, reminiscente das tradições da fotografia moderna clássica, como a de Edward Weston ou Ansel Adams — mas reinterpretadas à luz do pensamento contemporâneo.
O artista também incorpora influências do zen-budismo e da estética japonesa do wabi-sabi, em que a impermanência e a incompletude são aceitas como parte essencial da beleza. Isso se manifesta em suas séries Seascapes, por exemplo, onde o mar e o céu — elementos constantes e mutáveis — são reduzidos a linhas essenciais. A imagem, então, não é sobre o que se vê, mas sobre o que ela evoca no silêncio do olhar.
Além disso, sua prática dialoga com o formalismo minimalista de Donald Judd e Agnes Martin, especialmente na busca por uma forma pura, desprovida de ruído. Mas enquanto o minimalismo tradicional se baseia em uma objetividade quase matemática, Sugimoto insere espiritualidade e subjetividade na experiência estética.
Ao transformar o ato de fotografar em um exercício meditativo e especulativo, Sugimoto redefine a função da fotografia na arte contemporânea: ela deixa de ser apenas um reflexo do real e passa a ser uma estrutura conceitual complexa, capaz de produzir conhecimento visual.
Sua fotografia é silenciosa, meditativa, mas profundamente provocadora.

Hiroshi Sugimoto portrait
2. Um Estudioso do Tempo
Para Hiroshi Sugimoto, o tempo não é uma sucessão linear de instantes, mas uma entidade densa, expansiva e múltipla — um território visual a ser explorado pela lente. Seu trabalho propõe uma radical inversão da lógica fotográfica tradicional: enquanto a fotografia historicamente se afirma como arte do instante, do “momento decisivo”, Sugimoto transforma cada imagem em um arquivo ontológico da duração.
Essa abordagem o aproxima de concepções filosóficas como a de Henri Bergson, que via o tempo como uma corrente contínua e indivisível (durée réelle), distinta da segmentação artificial promovida pela racionalidade moderna. Sugimoto, por meio de suas longas exposições, horizontes atemporais e figuras congeladas pela cera, torna visível essa “duração real”. Suas fotografias não capturam um evento, mas um estado de tempo condensado, onde a passagem e a permanência coexistem.
O tempo, em sua obra, é também um dispositivo de estranhamento. Em Portraits, por exemplo, a representação de figuras históricas — como o Papa Inocêncio X ou Voltaire — através de esculturas hiper-realistas, e fotografadas com técnica renascentista, gera um deslocamento entre passado e presente. O espectador é confrontado com o simulacro de uma presença ausente: não se trata da pessoa, mas de uma encenação múltipla da memória — escultura, luz, enquadramento, mito. Isso reforça o pensamento de Roland Barthes, para quem toda fotografia contém uma promessa de morte — um testemunho de que “isto foi”, mesmo que o objeto já não exista.
Já nas Seascapes, Sugimoto propõe o tempo como matéria geológica, mais do que biográfica. O mar, idêntico ao que os primeiros seres humanos contemplaram há dezenas de milhares de anos, torna-se símbolo da constância dentro da mudança. Aqui, o tempo se dissolve em uma imagem que parece fora da história, sem vestígios da presença humana, funcionando quase como um espelho da eternidade. Nesse sentido, a fotografia torna-se um ritual silencioso, não para registrar, mas para acessar algo essencial e anterior à linguagem.
Há também, em sua obra, uma camada arqueológica do tempo: a fotografia como escavação. Cada série funciona como uma estratificação — camadas de percepção e memória que se acumulam. Assim, Sugimoto não fotografa “coisas”, mas temporalidades: o tempo do cinema condensado (Theatres), o tempo da Terra (Seascapes), o tempo da história e da representação (Portraits).
O impacto dessa poética temporal o coloca em diálogo com Susan Sontag, que via a fotografia como um instrumento ambíguo — capaz tanto de preservar a memória quanto de torná-la fetiche. Sugimoto assume essa tensão e a eleva à potência máxima: suas imagens não explicam, não documentam, mas invocam o tempo como um fantasma que habita a imagem.
3. Diálogo com a História da Arte
Sugimoto frequentemente constrói pontes entre o passado e o presente. Ele recria o rigor técnico da fotografia do século XIX (uso de câmeras de grande formato, revelação em gelatina de prata), mas com intenções contemporâneas e conceituais.
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Ele remete à tradição pictórica nos Portraits (composição renascentista).
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Ao mesmo tempo, sua estética dialoga com o minimalismo de artistas como Donald Judd e Dan Flavin.
4. Universalidade e Espiritualidade
A universalidade da obra de Hiroshi Sugimoto reside na sua capacidade de transcender identidades culturais, temporais e geográficas por meio de uma linguagem visual essencial. Em Seascapes, por exemplo, ele isola o horizonte entre o mar e o céu, sem qualquer elemento contextual ou humano, criando imagens que poderiam ter sido vistas por qualquer pessoa em qualquer época. Ao eliminar as marcas específicas do tempo e do lugar, Sugimoto não documenta um litoral, mas sim um estado de contemplação compartilhado pela espécie humana. Essa série funciona como um espelho arquetípico, evocando memórias profundas e inconscientes, como se estivesse acessando uma experiência primitiva da humanidade — estar diante do mar, confrontando a vastidão, o desconhecido e o eterno.

Hiroshi Sugimoto, seascapes
Esse aspecto universal da imagem está intimamente ligado a uma espiritualidade sutil, que permeia toda a sua produção. Em vez de trabalhar com símbolos religiosos diretos, Sugimoto invoca o espiritual através do silêncio, da repetição, da forma pura e do tempo suspenso. A experiência de fruir suas imagens não é apenas estética — é quase litúrgica. Cada fotografia convida o espectador a um estado de atenção meditativa, que remete aos rituais zen ou às práticas devocionais em que a contemplação é um caminho de revelação. Assim, sua obra não busca ensinar ou narrar, mas criar espaços de presença, nos quais o olhar desacelera, a mente se aquieta e o tempo assume uma espessura quase mística. É nesse entrelaçamento entre o universal e o sagrado que Sugimoto afirma sua singularidade no panorama da arte contemporânea

Ohio theater, 1980
5. Sugimoto no Mercado de Arte
Embora profundamente filosófica e silenciosa em sua essência, a obra de Hiroshi Sugimoto também conquistou um lugar de prestígio no mercado global de arte contemporânea. Essa inserção, longe de representar uma contradição, evidencia o modo como o sistema da arte tem valorizado produções que aliam rigor conceitual, excelência técnica e rarefação estética. As fotografias de Sugimoto figuram consistentemente entre as mais valorizadas da fotografia contemporânea, alcançando cifras que ultrapassam os meio milhão de dólares em leilões como os da Sotheby’s e Christie’s. Edições de obras da série Theatres, por exemplo, atingiram valores acima de US$ 1 milhão, consolidando seu status de artista de blue-chip — aqueles cuja obra é considerada investimento seguro por colecionadores e instituições.
Parte dessa valorização se deve à deliberada escassez de sua produção. Sugimoto imprime suas imagens em tiragens reduzidas, quase sempre com supervisão direta, e mantém um controle rigoroso sobre a circulação de seu trabalho. Representado por galerias de prestígio como a Pace Gallery (Nova York), a Fraenkel Gallery (São Francisco) e a Gallery Koyanagi (Tóquio), ele é um dos raros fotógrafos cuja obra transita com autoridade tanto em bienais e museus quanto em feiras como Art Basel, Frieze e Paris Photo. No contexto institucional, suas obras integram os acervos de instituições como o MoMA, o Guggenheim, o Centre Pompidou e a Tate Modern, reafirmando que sua inserção no mercado não compromete sua legitimidade crítica. Pelo contrário, Sugimoto exemplifica um caso em que a obra, ao mesmo tempo altamente vendável, mantém uma integridade intelectual e formal irredutível, tornando-o uma figura rara: um artista-filósofo com presença marcante no mercado de alto padrão.
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