Duane Michals: poesia visual, narrativa e existencialismo na fotografia contemporânea

Duane Michals é um dos fotógrafos mais singulares da história da fotografia contemporânea. Em uma época dominada pela objetividade do fotojornalismo e pelas convenções da fotografia documental, Michals construiu uma obra poética, subjetiva e, muitas vezes, filosófica — rompendo com os limites tradicionais do meio e expandindo suas possibilidades expressivas.

Nascido em 1932, na cidade de McKeesport, Pensilvânia (EUA), Michals estudou arte na Universidade de Denver e trabalhou como designer gráfico durante a juventude. Embora não tenha formação formal em fotografia, começou a fotografar durante uma viagem à União Soviética, em 1958, e rapidamente desenvolveu um estilo próprio, inconfundível.

Ao longo das décadas de 1960 e 1970, consolidou-se como uma voz autoral no campo da fotografia artística, distanciando-se tanto da objetividade jornalística quanto da abstração formalista que marcava parte da arte visual da época.

Duane Richards

Narrativas em sequência

Uma das marcas mais reconhecíveis da obra de Michals é o uso de sequências fotográficas — pequenas séries de imagens que contam histórias ou desenvolvem ideias abstratas. Suas narrativas visuais funcionam quase como curtas-metragens condensados em imagens estáticas, aproximando sua linguagem do cinema, do teatro e da literatura.

Um exemplo notável é “Things Are Queer” (1973), uma sequência que desafia a percepção e escala, conduzindo o olhar do espectador por um ciclo visual surpreendente e desconcertante.

Escrita manuscrita sobre a imagem

Michals foi pioneiro ao escrever diretamente sobre suas fotografias, com caligrafia pessoal e textos de caráter poético, filosófico ou confessional. Seus escritos não explicam a imagem literalmente — eles a expandem, adicionando camadas líricas, subjetivas e, muitas vezes, existenciais. Essa combinação de texto e imagem antecipa práticas artísticas que se tornariam centrais na arte contemporânea.

Temas metafísicos e psicológicos

A fotografia de Duane Michals transita por temas profundos como tempo, identidade, morte, desejo, espiritualidade e dúvida. Seus personagens frequentemente parecem flutuar entre estados de consciência, sonhar acordados ou encenar situações simbólicas que questionam a própria natureza da realidade.

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Jeremy Irons, Duane-Michals

Fotografia encenada

Distante da fotografia de rua e do “instante decisivo” de Henri Cartier-Bresson, Michals constrói cenas cuidadosamente dirigidas. Modelos, figurinos e iluminação são orquestrados para expressar ideias interiores. Nessa perspectiva, sua obra se aproxima do surrealismo visual e do simbolismo literário, revelando imagens que transcendem o real imediato e habitam um território entre o sonho e a alegoria.

Comparações e afinidades

Duane Michals rompeu com a tradição documental do século XX e pode ser associado a outros fotógrafos que também desafiaram as fronteiras do meio:

  • Cindy Sherman, que utiliza encenação e identidade com ênfase performática, focando em estereótipos culturais e questões de gênero.

  • Sophie Calle, cuja obra também mescla texto e imagem, explorando o íntimo, o cotidiano e o enigma das relações humanas.

  • Jerry Uelsmann, com quem Michals é frequentemente comparado, cria composições oníricas por meio da manipulação de negativos. Michals, no entanto, alcança efeitos poéticos com recursos visuais diretos: sequência, caligrafia e encenação minimalista.

  • Magritte with hat

    Magritte with hat

Legado e influência

Duane Michals abriu caminho para a fotografia como linguagem subjetiva, filosófica e introspectiva. Antecipou debates que se tornariam centrais na arte contemporânea, como o papel da identidade, a fragilidade da verdade e a fusão entre palavra e imagem.

Sua obra influenciou gerações de fotógrafos e artistas visuais interessados em ultrapassar o realismo tradicional. Mais do que documentar o mundo exterior, Michals o reinventou a partir das incertezas e contradições do universo interior.

Sua voz permanece única: um poeta visual que escreve, com luz e caligrafia, as dúvidas eternas da existência humana.

Texto de Thales Trigo.

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Thales Trigo