No universo das artes visuais, há artistas que pintam com pigmento, outros com luz — Patricia Borges pinta com o tempo. Em um mundo obcecado pela nitidez digital e pela permanência do pixel, sua obra parece caminhar na contramão: evanescente, instável, sensível à umidade, ao calor e ao esquecimento. Na série de obras realizadas com a técnica da cianotipia, a artista brasileira transforma o processo fotográfico do século XIX numa reflexão pungente sobre a memória, a ecologia e o destino da imagem em tempos líquidos.

A azulidade das coisas

A cianotipia, técnica inventada por Sir John Herschel em 1842, nasceu para ser prática: reproduzir documentos técnicos com aquele tom inconfundível de azul-celeste. Mas nas mãos de Borges, esse azul deixa de ser funcional para se tornar poético. Modificando a química original e expondo o papel à ação do sol e da umidade, a artista embaralha os papéis entre criador e natureza. O clima, esse personagem invisível da contemporaneidade, torna-se coautor da obra — ora ampliando seus contornos, ora apagando-os. O resultado são superfícies vibrantes que respiram, mofam, evaporam. Obras que, em vez de resistirem ao tempo, negociam com ele.

Patricia Borges - O PASSADO JÁ FOI ALTERADO #4 (2024) 76x174cm

Patricia Borges – O PASSADO JÁ FOI ALTERADO #4 (2024) 76x174cm

A fotografia como fermento

Patricia Borges não se contenta em capturar imagens: ela cultiva imagens. Em séries como Solares ou O Passado Já Foi Alterado, a fotografia deixa de ser um documento para se tornar organismo. Cada imagem nasce a partir de exposições calculadas, reações imprevisíveis e uma paciência que parece alheia ao ritmo acelerado da arte contemporânea. O papel torna-se pele — viva, sensível — e o azul, um campo de tensão entre presença e ausência. Há algo de alquímico no processo, como se a artista estivesse menos interessada no controle da imagem e mais disposta a acompanhá-la no seu processo de mutação.

O digital como ruína

Curiosamente, embora efêmeras, essas obras não desaparecem por completo. O gesto de digitalizá-las — e depois reimprimi-las sobre papel de algodão ou metal — devolve à imagem um corpo resistente. Aqui, Borges esbarra no paradoxo da era digital: na tentativa de eternizar o instante, acabamos por fossilizá-lo. Em trabalhos como Akhenaton ou Technopoetics, o que vemos já não é mais a obra, mas sua fantasmagoria. A imagem vira registro do que um dia foi imagem. E, nesse vaivém entre presença e arquivo, o tempo volta a circular.

making of cyanotype

making of cyanotype

O tempo como matéria-prima

Formada em Arquitetura e Urbanismo, com passagens por escolas de cinema, design e fotografia ao redor do mundo, Patricia Borges opera em um território transdisciplinar. Sua obra bebe tanto da tradição pictórica quanto das estéticas contemporâneas ligadas à performance, à instalação e à arte povera. Sua produção nos faz lembrar que, no fundo, toda imagem é uma aposta contra o esquecimento — e que talvez o esquecimento não seja um inimigo, mas uma parte do ciclo. Borges nos propõe outro tipo de permanência: aquela que acontece dentro de nós, como umidade que gruda na pele.

Impressão Fine Art como cápsula do efêmero

Para fotógrafos e artistas que trabalham com técnicas como a cianotipia — ou mesmo para aqueles que lidam com suportes instáveis, orgânicos, perecíveis — a impressão fine art se torna mais do que um acabamento: é uma cápsula do tempo. No contexto do

Patricia Borges - AKHENATON (2022) 100x140cm

Patricia Borges – AKHENATON (2022) 100x140cm

Instaarts, que oferece impressão sob demanda em papéis de algodão e metal de alta durabilidade, a obra de Borges ressoa como manifesto. Ao imprimir essas imagens-vivas com rigor técnico e materiais de conservação museológica, não se congela a vida — mas se permite que ela continue respirando em outros ritmos, em outros lares.

Patricia Borges - PARA OS DIAS QUE SENTI EM SUA AUSÊNCIA (2024) 170x240cm

Patricia Borges – PARA OS DIAS QUE SENTI EM SUA AUSÊNCIA (2024) 170x240cm

A poética da impermanência

O que a obra de Patricia Borges nos ensina, enfim, é que nem toda arte precisa resistir ao tempo para permanecer. Há permanências que se dão pelo afeto, pelo impacto, pela memória daquilo que se desfez diante de nossos olhos. O azul de Borges — que já foi blueprint, já foi céu, já foi mancha — agora é também metáfora. E se a arte pode ainda ser metáfora do mundo, que seja essa: uma imagem que sabe que vai desaparecer, mas mesmo assim insiste em nascer.