O que é uma fotografia feminista? Um grande número de museus, galerias e publicações têm feito essa pergunta nos últimos dois anos e com Our Selves: Photographs by Women Artists, a curadora Roxana Marcoci do Museu de Arte Moderna (MoMA) procura responder esse questionamento.
A exposição – composta por obras doadas pela colecionadora de fotografia e ativista Helen Kornblum – abrange 100 anos de história, incluindo desde ficções abstratas (como nas colagens de fotos de Claude Cahun) até correspondências de guerra (trabalho de Susan Meiselas na Nicarágua).
Our Selves: Photographs by Women Artists
É importante ressaltar que a exposição não é um “grande compilado” da fotografia feminina: você não encontrará obras de Anna Atkins, Cindy Sherman ou Diane Arbus, por exemplo.
Em vez disso, ela preenche lacunas significativas, reconhecendo a história de exclusão do feminismo com base em raça, sexualidade e classe. Marcoci defende uma abordagem interseccional, apontando que “Mulheres artistas, incluindo fotógrafas, estavam operando dentro desses sistemas interseccionais muito antes de serem explicados pelos teóricos”.
A tese abrangente da mostra parece ser “a fotografia como ferramenta de resistência”, que se desenrola sob três frentes: individual; dentro da casa/comunidade e perante a sociedade.
Na escala individual – principalmente no âmbito psicológico – temos a manifestação de expressões identitárias. A partir da década de 1920, fotógrafos modernistas usaram a fotomontagem para desarticular e distorcer as representações do eu.
Nesse sentido, o exemplo mais notável da exposição é “M.R.M. (Sexo)”. No topo da colagem, em francês, está escrito: “Aqui o carrasco assume o ar de uma vítima. Mas você sabe o que esperar.” Abaixo, a artista fragmentou e desmontou múltiplas reproduções de si mesma.
Como observa Marcoci, as várias representações da vida dentro da mostra também “anteciparam a conexão ecofeminista entre a exploração da natureza e a opressão das mulheres sob um sistema patriarcal de propriedade”, fenômeno exemplificado na obra “Interior Cartography #35.
Claude Cahun (Lucy Schwob), M.R.M (Sex), c. 1929–30. Gift of Helen Kornblum in honor of Roxana Marcoci | Via MoMA
Tatiana Parcero, Interior Cartography #35, 1996. Gift of Helen Kornblum in honor of Roxana Marcoci. © 2021 Tatiana Parcero | Via MoMA
A fotografia de Carrie Mae Weems, da série The Kitchen Table, traz resistência para a esfera doméstica. Este retrato íntimo da maternidade é talvez o mais próximo que Our Selves chega de incluir imagens bem conhecidas e fundamentais da história da fotografia.
Nele, a relação interior – olhar no espelho e passar batom, como um rito de feminilidade – é também uma performance de gênero comunal. É herdado, ensinado, espelhado. A cozinha é um espaço carregado na história do feminismo, ao mesmo tempo cenário de intimidade familiar e confinamento opressivo.
Ao contrário de outras imagens da mesma série, nenhuma obra de arte está pendurada na parede atrás da mesa; “a Mulher Negra, equilibrada e elegante com unhas feitas, talvez seja a arte, o símbolo de beleza que a filha aspira recriar em si mesma”, aponta a curadora.
Carrie Mae Weems, “Untitled (Woman and daughter with makeup)” (1990), © 2021 Carrie Mae Weems | Via MoMA
A documentação de Susan Meiselas sobre a Revolução Nicaraguense mostra o poder das fotografias como ferramentas de resistência política. Na imagem abaixo temos manifestantes carregando a fotografia de Arlen Siu, uma guerrilheira da FSLN morta na revolta contra Somoza, o então ditador da Nicarágua. Seu retrato, desprovido de cor, contrasta com o restante da cena, que apresenta cores vibrantes.
Susan Meiselas, “A Funeral Procession in Jinotepe for Assassinated Student Leaders. Demonstrators Carry a Photograph of Arlen Siu, an FSLN Guerilla Fighter Killed in the Mountains Three Years Earlier” (1978), © 2021 Susan Meiselas | Via MoMA
Conclusão
A exposição, que reflete a generosidade da colecionadora Helen Kornblum, não é uma história cronológica de mulheres fotógrafas, nem um relato histórico da fotografia feminista.
Em vez disso, Our Selves apresenta conjuntos de obras e ideias que são guiadas por legados omitidos. Trata-se de um convite a olhar as fotos através de uma lente feminista contemporânea; declarando a capacidade das mulheres de afirmarem suas motivações políticas.
Ao mostrar esses trabalhos juntos, a mostra reafirma as palavras da artista Carrie Mae Weems: “De uma forma ou de outra, meu trabalho explode sem parar os limites da tradição. Estou determinada a encontrar novos modelos para viver. Você não está?”
Fontes
hyperallergic.com
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